‘Última vez que discutimos jornada de trabalho foi na Constituinte’

‘Última vez que discutimos jornada de trabalho foi na Constituinte’
Ministro do Trabalho defende debate sobre semana de quatro dias e regulamentação da profissão de motorista de aplicativo

Com informações do A Tarde

A jornada de trabalho de quatro dias semanais, o funcionamento do comércio nos feriados, o fim do saque-aniversário do FGTS e o efeito das altas taxas de juros nos empregos. Todos esses são temas relevantes nos dias de hoje, geram muitas controvérsias e estão no radar do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que na quarta-feira (dia 7) estará em Salvador para lançar um programa de qualificação digital de trabalhadores.

Nesta entrevista exclusiva ao A TARDE, Luiz Marinho trata e dá sua visão sobre todos os temas mencionados e outros igualmente atuais, como o problema das fake news. Na conversa, ele contou como muitas vezes precisou esclarecer desinformações no debate sobre a regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativos, por exemplo. “Estamos numa fase onde muitas vezes a mentira vale mais que a verdade”, lamenta. Saiba mais na entrevista que segue.

O Brasil fechou o mês de junho com saldo positivo de 201.705 empregos com carteira assinada, número 29,5% maior que no mesmo mês do ano passado. O destaque para o crescimento foi no setor da indústria, que registrou um aumento de 165%. O que esses dados representam?

Primeiro, é preciso dizer que isso faz parte de um processo de recuperação das ações corretas do nosso país, das políticas dirigidas pelo presidente Lula para reconstrução das contas e investimentos públicos. E investimento público provoca investimento privado, uma coisa vai arrastando a outra. No ano passado, a previsão de crescimento do PIB, segundo os especialistas, não chegava a 0.8%. Nós crescemos 2.9%, em grande parte pelas ações que realizamos ainda antes de iniciar o mandato. A PEC da Transição teve um papel determinante para a economia funcionar. Senão, ela tinha parado totalmente com o orçamento que o antecessor deixou para o presidente Lula. O governo passado queimou R$ 300 bilhões só no processo eleitoral. Mas, de fato, vimos um resultado muito positivo já em 2023 e, em 2024, num processo contínuo. Quando você compara 2023 com 2024 o crescimento é importante, com destaque para a indústria como você colocou na sua questão. Em 2023, a indústria andou muito de lado. Mas, este ano, a indústria vem crescendo bastante. De janeiro a maio de 2023, nós criamos 123 mil postos na indústria. No mesmo período deste ano, criamos 209 mil, um crescimento de 69%. Já no mês de junho deste ano, tivemos 32 mil novos postos de trabalho na indústria contra 12 mil no ano passado, portanto um crescimento de 165%. A indústria merece ser destacada porque, de forma preponderante, o emprego no segmento costuma ser de mais longa duração. Outro aspecto é que costuma ter um nível de remuneração superior a de serviços e comércio. Ele agrega valor no cômputo geral da massa salarial. Isso é fruto dos vários programas que o presidente Lula encaminhou junto com o nosso vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro da Indústria e Comércio, para criar essa nova indústria, que leva em consideração a transição climática e energética. Tudo isso faz parte desse processo da economia voltando a aquecer, o que dá confiança ao empresariado com o anúncio de novos investimentos, que é importante porque você não enxerga somente os empregos que estão sendo gerados agora. Aponta um processo de crescimento para 2025, 2026, 2027, 2030.

Ao apresentar os números de emprego, o senhor destacou a necessidade de retomar o processo de redução de juros no país. Como a taxa atual afeta a situação do emprego no país?

Esse é o nosso dilema. Costumeiramente, o Banco Central é mais conservador que todo mundo. Faz parte da lógica e das suas responsabilidades. Mas, no Brasil, nós estamos vendo o presidente do Banco Central liderar um processo na minha opinião bastante equivocado. Se você fizer uma análise das últimas decisões do Copom, parece que a economia do Brasil está fora de controle. Que tem inflação de demanda e não tem. Porque não tem excesso de consumo, além da capacidade produtiva do país. Nós temos capacidade ociosa ainda de produção. Pode aumentar ainda mais o consumo porque a indústria vai reagir, contratando mais e produzindo mais. Eles precisam estudar melhor os fundamentos da economia. Você não controla a inflação somente com a lógica da restrição ao crédito. Aumento de juros sangra o orçamento público e a capacidade de investimento das empresas. É uma coisa que não consigo entender. Vai ter crescimento de salário mínimo? Vai ter crescimento do poder de compra a partir da isenção do imposto de renda? Você tem que incentivar a indústria a planejar o crescimento de produção para controlar a inflação a partir de oferta e não a partir da restrição de demanda, como o Banco Central faz sempre. Eu não sou economista, mas se trata de experiência de vida. Se você projeta que vai ter crescimento de consumo, você tem que falar para indústria: olha, nós estamos enxergando que vai haver aumento de consumo. Porque está havendo acordos salariais com ganho além da inflação. Está tendo aumento real do salário mínimo. A isenção do imposto de renda leva o salário a ficar mais forte. Especialmente os salários mais baixos. Porque salário baixo, se sobrou um centavo, ele vai virar consumo. Até porque há uma necessidade dessa população de consumir mais, porque ela está sendo privada de muitas coisas necessárias pela ausência do poder de compra. Produzam mais senhores, planejem o aumento da sua produção. Se há uma linha parada, planeja retomá-la. Se seu segundo turno está parado, planeja voltar com ele. Esse é o debate que o Banco Central deveria fazer. Aliás, muitas vezes não entendo porque o Senado, que pode convocar o presidente do Banco Central para pedir explicação, não faz isso. Uma das obrigações do Banco Central, e que deveria estar nas atas, é de pensar como gerar mais emprego. De como proteger os empregos. Pelo contrário. Na ata do Copom, diz que temos de restringir o emprego. Isso é de uma irresponsabilidade até porque a taxa de juros no Brasil é a segunda mais alta do mundo. Portanto, tem espaço para redução.

Nesta semana, o senhor estará na Bahia para participar do lançamento de um programa de qualificação de trabalhadores em parceria com as universidades. Fale um pouco dessas ações do Ministério na Bahia.

Eu agradeço profundamente ao governador, que topou nossas parcerias, as universidades baianas que têm também topado o desafio de colaborar nesse processo tão importante de capacitar não somente a nossa juventude, mas toda mão de obra que está trabalhando, precisa se aperfeiçoar e ampliar o seu currículo, a sua empregabilidade. Nós estamos de forma inédita fazendo essa parceria. E quero fazer um elogio ao estado da Bahia. Toda a rede Sine (Sistema Nacional de Emprego) foi desmontada, todo o sistema público de integração dos estados e União. Com o desmonte do Ministério do Trabalho, foi desmontando também as redes. E a Bahia chamou para si a responsabilidade de manutenção do sistema Sine. Isso facilita inclusive o que o estado saia na frente. Não foi só a Bahia que manteve o Sine, Ceará, Pernambuco também. Mas a Bahia foi o estado que melhor manteve o sistema e isso facilita o processo agora. Vamos ter 150 escolas de ensino médio que nós vamos introduzir, no tempo integral, os cursos do trabalhador 4.0, que é o ensino digital. O analfabeto digital tem a possibilidade do letramento, até a possibilidade de se tornar um programador, passando por várias etapas. São sete trilhas, 134 cursos. Isso está aqui no ministério desde 2022. O governo anterior fez uma parceria com a Microsoft, mas vinha muito lento e nós aceleramos. Só que tem um dilema. Você forma uma turma grande e os alunos vão se evadindo. E só uma pequena parte concluiu os cursos, que são todos EAD (ensino à distância). O convênio com a Bahia é uma coisa que eu tenho insistido muito com os estados, as prefeituras, as empresas, as entidades, que vão formar conosco. Que é montar cursos presenciais. Na Bahia, vamos ter, em 150 escolas, turmas que vão funcionar presencialmente. Vamos formar na verdade 179 monitores para, na sala de aula, ajudar nesse processo de aprendizagem e para reduzir a evasão dessa clientela.

O senhor afirmou que pretende enviar ao Congresso, após o recesso que terminou esta semana, uma proposta para facilitar a contratação do crédito consignado a trabalhadores da iniciativa privada e microempreendedores individuais (MEI). Como funcionará esta proposta?

Na verdade, o fim do saque-aniversário do FGTS está conjugado com essa proposta. É um consignado separado vinculado ao fundo de garantia. Nós temos a necessidade de acabar com o saque-aniversário do Fundo de Garantia para resgatar o papel do fundo e deixar uma proteção ao trabalhador e a trabalhadora em um momento de desemprego. Esse é o papel primordial do fundo – socorrer o trabalhador no momento em que ele fique desempregado, para ajudá-lo no processo de transição até o novo emprego. Esse é um aspecto. Outro aspecto é a preservação do FGTS como um fundo de investimento. Em especial para a baixa renda, como é o caso do programa Minha Casa Minha Vida, mas também saneamento, infraestrutura. Hoje, nós temos mais de R$ 100 bilhões do FGTS que estão alienados pelo saque-aniversário, pela antecipação do fundo através do consignado como garantia. Você tira, portanto, a capacidade de ter lastreamento de R$ 100 milhões para o Minha Casa Minha Vida, por exemplo. O que nós estamos propondo é que os dois projetos estejam conjugados – o fim do saque-aniversário e a introdução do consignado, que estamos chamando de consignado privado. Porque o consignado existe desde 2003, com o presidente Lula, para criar esse formato no mercado. Só que isto, quando foi tratado em 203, não pegou no trabalhador privado. Pegou no servidor público, aposentado, pensionista. No privado não pegou por uma simples razão. O formato atual do consignado necessita do convênio das empresas com as instituições financeiras. E as empresas, seus RHs, preferiram não fazer. São poucas empresas que têm esses convênios com as instituições financeiras e, portanto, oferecem um crédito mais barato para o seu trabalhador. Mas vamos fazer isso a partir da ferramenta do eSocial e do FGTS digital. Isso facilita porque a ferramenta administra esse processo e não necessita mais da autorização do empregador. O empregador vai receber todo mês – quando ele vai descontar, por exemplo, o Fundo de Garantia, à previdência – a informação que tem que descontar a parcela da inscrição. Na mesma empresa, podem ter seis, sete, dez instituições. E vai depender do trabalhador escolher qual é a taxa que vai descontar da sua parcela feita a esse banco. Os bancos resistem, mas nós estamos trabalhando também para que nessa plataforma o trabalhador tenha acesso às propostas de todas as entidades financeiras. Ou seja, Joaquim da Silva necessita de um empréstimo de X, em 60 parcelas. Os bancos saberão que Joaquim da Silva está pedindo um empréstimo e vão oferecer na plataforma qual é a sua taxa naquela circunstância. E o trabalhador decide: eu quero o banco X, e não o banco de conta corrente, porque ele está oferecendo uma proposta melhor. E aí o consignado privado substituiria o consignado do fundo de garantia, que passaria a exercer a função nobre que sempre exerceu.

Ministro, a gente vê hoje muita desinformação relacionada a questão do fim do saque-aniversário do FGTS. Melhorar a comunicação é um desafio grande?

A comunicação virou um desafio sério no mundo a partir do surgimento dessa rede da má fé, de fake news, da irresponsabilidade, do crime planejado. O que a gente precisa – e os meios de comunicação são muito importantes nesse processo – é alertar contra as falsas notícias. Eu sei que tem um grande trabalho da imprensa de diferenciar o que é fake e o que é fato. Isso ajuda muito no processo para que o cidadão, lá na ponta, não caia em armadilhas, não caia em golpe, porque tem muito golpe na praça, e não caia no golpe da destruição da verdade. Porque isso acontece muitas vezes. Evidente que estamos sempre preocupados com isso. São fases da sociedade e creio que isso vai melhorar a cada dia.

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