Magalu e o absurdo do trabalho intermitente

A partir de uma denúncia na Magazine Luiza/Magalu de Salvador, o jornalista e assessor parlamentar do Diap, Marcos Verlaine, faz uma análise do que significa, realmente, o trabalho intermitente. Um mecanismo perverso de gerar emprego que implantaram no Brasil.

Contrato de trabalho intermitente e precarização são sinônimos

A denúncia agora vem de Salvador (BA). Foi feita por trabalhadora contratada pela loja Magazine1 Luiza do Shopping da Bahia (antigo Iguatemi). A contratação foi por meio do modelo de contrato de trabalho intermitente pagando (pasmem!) R$ 5,95 a hora/trabalho.

Marcos Verlaine*

O que o trabalhador faz com esse valor?

Paga as passagens de ônibus (ida e volta), que passou a custar, a partir do dia 12 de dezembro, R$ 4,20. Era R$ 4; e/ou as do metrô, que aumentou de R$ 3,70 para R$ 3,90. Já imaginou se o trabalhador tiver de pegar ambos os tipos de condução para chegar ao local de trabalho? Ele terá de gastar R$ 16,20, quase o triplo da hora/trabalho paga, no caso, pela Magazine Luiza.

Felizmente, segundo a fonte que tive acesso, a empresa arcou com os custos do transporte. Menos mau! Do contrário, a relação de trabalho teria sido mais precária ainda e, portanto, teria sido ainda pior.

“O trabalhador que se vire para arcar com essa despesa”, pois esse não é “problema” do empregador, pensaram os legisladores (deputados e senadores) e empresários que defenderam, apoiaram e aprovaram a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) no Congresso, que passou a valer, em novembro de 2017.

O contrato de trabalho intermitente é uma nova modalidade de contratação em que o trabalhador só recebe se trabalhar. E não tem direito aos adicionais ou benefícios que os contratados convencionais têm, como férias, 13º salário, FGTS, entre outros.

Tudo piorou nas relações de trabalho

É importante destacar que não é apenas a rede de lojas da Magazine Luiza que faz esse tipo de contratação. Esse modelo tem sido adotado por médias, pequenas e grandes empresas no País. O setor inteiro de comércio faz isso e outros segmentos da economia também.

Voltemos à Magazine Luiza de Salvador, no Shopping da Bahia. Uma trabalhadora foi chamada para laborar, intermitentemente, num dia de Black Friday2, 26 de novembro. Ela começou a jornada de trabalho às 13 horas e foi até o fechamento do shopping, às 23h30. Recebeu por isso R$ 113 e gastou com a refeição R$ 24. A empresa não paga a alimentação!

Assim, depois de uma jornada de quase 10 horas de trabalho, considerando o intervalo de 1 hora para refeição, o dia de trabalho custou, então, na verdade apenas R$ 89, e a hora/trabalho ficou em torno de R$ 8,90. Em Brasília, por exemplo, uma diarista não sai por menos de R$ 150.

No dia seguinte (uma sexta-feira), ela voltou ao trabalho e cumpriu nova jornada, das 6 da manhã às 16 horas, e recebeu R$ 73; uma jornada de 10 horas, com 1 hora para refeição. Considerando que a hora do almoço não conta como efetivo trabalho (lembramos) e a trabalhadora ainda teve de pagar a alimentação do próprio bolso (R$ 24) (é bom não esquecer), o valor ficou abaixo do anunciado. O pagamento no final da jornada, descontado o valor da refeição, foi de apenas R$ 49, com a hora/trabalho que saiu a R$ 5,44.

Lembrem-se, que o custo da mão de obra brasileira — que já era baixo antes da precarização institucional —, ficou ainda menor com a vigência da Reforma Trabalhista. A chamada Reforma instituiu esse modelo de contratação de força de trabalho, que no final das contas, ao invés de melhorar, fez foi piorar, porque não aumentou, como se prometeu e se fez crer, a contratação e, ainda, piorou os ganhos!

Importante destacar que esses valores são praticados nesses períodos em que o comércio aquece e vende mais, como a Black Friday e festas de final de ano. Em períodos normais, os valores da hora/trabalho são, evidentemente, inferiores.

Desse modo, não há como não associar esses contratos com precarização, pois os empregadores não têm nenhum ônus, já que são transferidos para o trabalhador, sobretudo agora nesse período de agravamento da atividade econômica, em razão da pandemia da Covid-19.

Isso colide com a lógica do capitalismo e da legislação. O empregador é quem tem de arcar com os custos da atividade econômica, não podendo este transferir ao trabalhador o ônus do empreendimento. É o empregador quem deve assumir todos esses ônus, já que pode acumular todos os bônus. Assim, o artigo 2º da CLT3 (Consolidação das Leis do Trabalho) “fala” em riscos da atividade econômica, na mesma regra em que define o empregador como empresa.

Sair da paralisia

É verdade que os sindicatos estão bem debilitados financeiramente, com o fim da contribuição sindical compulsória. Mas, ações e denúncias contra esse estado de coisas precisam ser feitas. Para isso, é preciso inovar, repaginar e pensar em ações cujo custo seja baixo e tenham alto impacto social, político e midiático.

De quanto é o faturamento anual da Magazine Luiza? Quanto a empresa faturou em 2019 com a Black Friday?

Essas informações devem ser públicas. É preciso obtê-las para comparar com os valores miseráveis que são pagos pela empresa aos trabalhadores intermitentes, a fim de mostrar que a empresa não tem compromisso social e não está nem aí para a precária situação desses, sobretudo nesse período de pandemia.

Como fazer? Com quem fazer? Por que fazer? Como divulgar esse descalabro?

Sugestões

Esse tipo de situação exige mais que uma matéria na página ‘internética’ e no jornal do sindicato. É preciso sair da zona de conforto e mobilizar ideias novas e mais arrojadas. Junto com essas ações não se pode esquecer da campanha de sindicalização, que deve ser permanente, o ano inteiro, isto é, a ação de sindicalização não deve ser eventual ou ter uma data específica.

É preciso denunciar essas mazelas nas redes sociais — Facebook, Instagram e WhatsApp —, por meio de vídeo feito profissionalmente.

O pessoal do Mídia Ninja faz esse tipo de trabalho. Qual o custo? Não é nada de outro mundo! Vale a pena o custo-benefício? Sem dúvida!

É preciso fazer assim, pois o alcance é maior e tem mais resultados em todos os sentidos.

Além disso, é necessário acionar o Departamento Jurídico do sindicato para que a entidade se acautele legalmente, a fim de que não seja processada por meio de ações na Justiça e tenha de pagar pesadas multas. Isto é, essa ação político-sindical precisa ser feita sem extrapolar os limites da lei, não divulgando inverdades ou cometendo injustiças que possam gerar situações que possam prejudicar o sindicato.

Mãos à obra!

(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar licenciado do Diap

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